segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O lado negro do ERASMUS

Todos os leitores assíduos do meu blog sabem que nunca questionei o lado bom do ERASMUS. Mais, que sou fervorosa defensora de que todos os alunos do ensino superior deviam ter a oportunidade de fazer um dia ERASMUS, tão boa e enriquecedora que se revela esta experiência.

Sabem também os leitores deste blog que nunca escrevi uma mensagem a lamentar estar em ERASMUS (ainda que aqui tenha tido pena de não ter assistido a certos triunfos de amigos e aqui tenha exprimido a tristeza pela morte do meu avô). Nem nos momentos menos bons eu pus em causa a minha estadia longe de casa. Ao invés das crises de saudades que me diziam que ia sentir só pensava no quão boa em tantos aspectos estava a ser aquela experiência.

Então, haverá um lado menos bom no ERASMUS? A resposta, surpreendentemente, é sim!

Confesso que tive mais dificuldade em superar a minha primeira semana depois do regresso do que a minha primeira semana em Vilnius; que tive mais saudades da minha "família" na Lituânia ao fim de um mês de estar em casa do que da minha verdadeira família em Portugal. E espero que não me interpretem mal: não é que não goste da minha família, não é que não tenha sentido a falta deles, mas em ERASMUS sabia que mais mês menos mês iria voltar a estar de novo com eles. Quando acabou esta experiência todos os dias pensava que tinha chegado ao fim, que nunca mais ia viver em Vilnius, que nunca mais ia estar da mesma forma com a Joana, a Diana, a Charlotte ou o Mate.

É sabido que um jovem estudante, e em especial os que vivem em casa com os pais, necessitam de adquirir uma autonomia muito grande quando vivem sozinhos e num país estrangeiro, uma série de skills necessários à vida independente. Em ERASMUS temos que saber e fazer tudo: cozinhar, lavar a loiça, limpar a casa, arrumar a casa, lavar a roupa, ir às compras, acordar a horas, gerir o orçamento...
O problema é quando essa autonomia se apodera demasiado do nosso quotidiano. Neste caso, o regresso à "vidinha de sempre" (como eu costumo dizer) pode ser muito duro, doloroso mesmo. É muito complicado depois de passar por esta experiência voltar a aceitar de bom grado uma vida onde temos constantemente que prestar contas em casa, uma vida onde o nosso trabalho fica na terra onde nascemos e sempre vivemos, uma vida onde as responsabilidades se apoderam da nossa agenda diária.

Há dias em que um simples "olha a roupa suja" incomoda como se fosse algo extremamente ofensivo. É muito difícil depois de controlarmos as nossas vidas a 100% ter alguém a querer pelo menos 10% delas. E não culpo nada essas pessoas, mas a liberdade é como um animal selvagem, não se quer sentir enjaulado. Tinha 14 anos quando me apercebi que um dia queria viver sozinha. Hoje, quase dez anos depois, conto baixinho os dias que faltam para isso poder acontecer.

Outra coisa que o ERASMUS tem é abrir os horizontes na sua amplitude máxima. Ainda que já o soubessemos, ali vemos que somos parte de um mundo onde temos oportunidade para fazermos o que queremos em todo e qualquer lado. Se eu sei há muitos anos que a minha missão é lutar por um mundo melhor, em ERASMUS vi que não precisava de fazer isso a partir de casa. Desde que vivi quase 5 meses em Vilnius que pondero todas e quaisquer hipóteses de poder trabalhar fora de Portugal, ainda que por um período limitado de tempo (quem me tira a minha Lisboa tira-me tudo). Desde que cheguei de novo a casa sei que isso é algo que tem que acontecer ou serei para sempre frustada caso não o faça.

Uma certeza: há muita coisa que ainda tenho que fazer antes de assentar. E depois do ERASMUS quero começar a fazer essas coisas já.

Esta semana falei com as duas pessoas que fizeram ERASMUS que conheço melhor, e é impressionante como este lado nos atingiu, de certa forma, da mesma maneira. Para eles, não se preocupem, tudo irá correr como queremos, porque não temos só capacidade para isso, temos vontade que isso aconteça. Não desanimem quando os outros não nos compreendem, quando acham que não devemos abdicar daquilo que já temos e que podemos considerar seguro.

Não queremos o seguro, queremos fazer aquilo que nos vai na alma.



Fotografia retirada de http://entremeado.files.wordpress.com
                   

5 comentários:

Bruno Martins disse...

e o "leva o casaco!"? tira-me do sério. lol

sabes, como poucas pessoas, o quão me revejo neste artigo.

espero que consigas cumprir todos os teus sonhos.
gostei da outra noite, a fazer lembrar os velhos tempos... até às tantas "à porta de casa".

bisou.
BM

Ana disse...

Não, não, e "não achas que já está na hora de ires dormir"?...

Eu também gostei. a repetir!

sofiaanguria disse...

olá
é tão engraçado como tropecei no teu blog e depois resolvi ler este teu post sobre o lado negro de Erasmus, o retorno a casa!

strangely familiar! :|

todos nós ex-Erasmus, mas Erasmus para sempre, sentimos o mesmo, acho eu.. uns mais que outros, como nós portugueses, se voltarmos a viver na casa dos pais..quem já vivia sozinho, nota menos mas sente falta da VIDA erasmus..
a filosofia "és Erasmus,pá!" é um poder incrivel que só me apercebi no final do meu Erasmus..
ahh, esqueci-me de me apresentar..
sou a Sofia e tive em Milão durante 9 meses em Erasmus! :)

com amigos meus de Erasmus, já pensámos "seriamente" em criar um grupo tipo EA (Erasmus Anónimos), para todos aqueles que sofrem do sindrome de Ex-Erasmus!

tiveste na Lituânia e uma das minhas grandes amigas de Erasmus, é da Estónia :)

fica bem

Ana disse...

Bem vinda Sofia. Erasmus é um estado de espírito que nos une. Erasmus Anónimos, concordo plenamente.

Enquanto estive em Erasmus recebi a visita de uma rapariga holandesa que estava em Milão. Tudo ligado.

Anónimo disse...

as vezes penso que sou so eu que sinto todas estas coisas... é mesmo estranho como tudo o que escreveste se aplica a mim tambem. Estou ha 6 meses em lisboa, depois de 10 em erasmus. ainda nao consegui "chegar" como deve de ser, ha mil coisas que nao estao como deviam estar, e ha mil coisas que ainda tenho para fazer... o meu maior medo? "esquecer me", acomodar me, e deixar para tras os sonhos e as coisas que quero fazer; assusta me pensar que nao consigo ser em lisboa tao feliz e estar tao bem como estive quando estava em erasmus...
adorava que esse grupo erasmus anonimos realmente existisse! eu juntava me a ele...
=)

é bom saber que o que eu sinto até e normal! lol