quarta-feira, 12 de março de 2008

Pela liberdade de um povo

Apesar de não estar relacionado com o tema, não poderia deixar de divulgar esta informação. Leiam que vale a pena.


A carta aberta que se segue vem em resposta a umas determinadas afirmações do ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, aliás, bastante insultuosas, mais um pouco de anti-comunismo primário, talvez uma vã tentativa de desculpar as belas asneiras que o seu querido partido anda a fazer no nosso país. Infelizmente não é possível colocar aqui todas as afirmações do ministro, mas fica um pequeno excerto:

"A liberdade é algo que o País deve a Mário Soares, a Salgado Zenha, a Manuel Alegre. Não deve a Álvaro Cunhal nem a Mário Nogueira", afirmou Santos Silva, acrescentando que estes "lutaram por ela antes do 25 de Abril contra o fascismo, e lutaram por ela depois do 25 de Abril contra a tentativa de tentar criar em Portugal uma ditadura comunista”.



Carta Aberta ao Senhor Ministro dos Assuntos Parlamentares

Exmº Senhor Ministro Augusto Santos Silva,

Venho por este meio informá-lo que me sinto insultado pelas suas afirmações proferidas ontem à noite, em Chaves e dadas hoje à estampa na comunicação social escrita.

Foi o comunista do meu pai, Sérgio Vilarigues, que esteve preso 7 anos (dos 19 aos 26) no Aljube, em Peniche, em Angra e no campo de concentração do Tarrafal para onde foi enviado já com a pena terminada. Que foi libertado por «amnistia» em 1940, quatro anos depois de ter terminado a pena. Que passou 32 anos na clandestinidade no interior do país, o que constitui um recorde europeu. Não foi ao seu pai, e ainda bem, que tal sucedeu.

Foi a comunista da minha mãe, Maria Alda Nogueira, que, estando literalmente de malas feitas para ir trabalhar em França com a equipa de Irène Joliot-Curie, pegou nas mesmas malas e passou à clandestinidade em 1949. Que presa em 1958 passou 9 anos e 2 meses nos calabouços fascistas. Que durante todo esse período o único contacto físico próximo que teve com o filho (dos 5 aos 15 anos) foi de 3 horas por ano (!!!). Que, sublinhe-se, foi condecorada pelo Presidente da República Mário Soares com a Ordem da Liberdade em 1988. Não foi à sua mãe, e ainda bem, que tal sucedeu.

Foi a mãe das minhas filhas, Lígia Calapez Gomes, quem, em 1965, com 18 anos, foi a primeira jovem legal, menor (na altura a maioridade era aos 21anos), a ser condenada a prisão maior por motivos políticos - 3 anos em Caxias. Não foi à sua esposa, e ainda bem, que tal sucedeu.

Foi a minha filha mais velha, Sofia Gomes Vilarigues, quem até aos 2 anos e meio não soube nem o nome, nem a profissão dos pais, na clandestinidade de 1971 a 1974. Não foi à sua filha, e ainda bem, que tal sucedeu.

Fui eu, António Vilarigues, quem aos 17 anos, em Junho de 1971, passou à clandestinidade. Não foi a si, e ainda bem, que tal sucedeu.

Foi o caso do primeiro Comité Central do Partido Comunista Português eleito depois do 25 de Abril de 1974. Dos 36 membros efectivos e suplentes eleitos no VII Congresso (Extraordinário) do PCP em 20 de Outubro de 1974, apenas 4 não tinham estado presos nas masmorras fascistas. Dois tinham mais de 21 anos de prisão. Com mais de 10 anos de prisão eram 15, entre eles Álvaro Cunhal (13 anos).

São casos entre milhares de outros (Haja Memória) presos, torturados e até assassinados pelo fascismo.

Para que houvesse paz, democracia e liberdade no nosso país. Para que o senhor ministro pudesse insultar em liberdade. Falta-lhe a verticalidade destes homens e mulheres. Por isso sei que não se retratará, nem muito menos pedirá desculpas. As atitudes ficam com quem as praticam.

Penalva do Castelo, 8 de Março de 2008

António Nogueira de Matos Vilarigues
  

4 comentários:

FM©Fotografia disse...

Ao Santos Silva que agora é ministro, mas que há-de toda a vida ser um anti-comunista, apetece fazer aquela célebre pergunta (com uma ligeirinha alteração: "Santos Silva, onde estavas antes do 25 de Abril enquanto o Álvaro Cunhal lutava pela Liberdade?". Bom, a resposta será concerteza "em nenhures". Depois do 25 de Abril também não estava com Mário Soares, Salgado Zenha e Pateta (ops) Manuel Alegre. Não, ele nessa altura andava no MES a combater estes três. Enfim, mais um que virou "democrata", mas que para chegar aos calcanhares de Álvaro Cunhal nem em bicos de pés, tal é o pequenote.

Olha filha, beijinhos.
(ah, assustaste-me com a notícia da morte do mao tsé-tung... eheheheh)

Ana disse...

É verdade, e como ele tantos outros. Li algures, a propósito disto, que o anti-comunismo que eles tanto gostam de usar como um sinal de força é na verdade a maior demonstração de fraqueza, é a prova que não têm quaisquer argumentos válidos para criticar o nosso partido. É como dizer "são maus porque sim", não há mais razão nenhuma, é porque sim.

h disse...

Esses Vilarigues... isso é que era uma família azarada... lolol!!!

Não tenho comentário rigorosamente nenhum a fazer às palavras do sr. ministro... mas faz-me uma certa confusão estas pessoas que têm orgulho na vida desgraçada que tiveram, como se fosse algo que as outras pessoas devessem aplaudir...

O processo democrático havia de nos atingir mais tarde ou mais cedo... era impossível que assim não fosse... aos que sofreram pelo caminho... muito obrigado, mas infelizmente não passam de acidentes de percurso da história...

Beijinhos prima...
já sei que este não é o melhor blog para eu deixar as minhas opiniões... mas esta história em particular comoveu-me! lol... não resisti...
;)

Ana disse...

Fico contente com qualquer comentário teu, ainda que não concorde em absoluto. Não é que seja um "orgulho na vida desgraçada", é orgulho em poder ter contribuido para o processo democrático que poderia ter tardado a chegar. E acima de tudo, neste caso, acredito que dói não sentir o reconhecimento quando a vida foi mesmo "desgraçada", ou mais, ouvir que não tiveram qualquer importância. Acho que é isso...

;P

Beijinhos