Ceci n'est pas un riche
O recente debate sobre política fiscal é tão interessante quanto intrincado. Pergunta-se: quem tem mais deve contribuir mais? Eis um daqueles dilemas de solução impossível. Tirando o sentido de justiça e o mais elementar bom senso, não há nada que nos ajude a tomar uma posição definitiva. Devem os ricos pagar mais impostos do que os outros? É uma questão complexa. Arrebanhar metade do 13.º mês acima do salário mínimo é incontroverso, mas quando se trata de taxar grandes fortunas os analistas tornam-se filosóficos: mas o que é um rico?, perguntam. Parece tratar-se de um conceito vago e populista, comentam, com admirável prudência intelectual. Fazia falta um destes analistas no versículo 24 do capítulo 19 do Evangelho segundo São Mateus. Quando Jesus dissesse que é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus, o analista havia de contrapor: "Mas, Senhor, o que raio é um rico? Abstende-vos de usar conceitos vagos e populistas." No entanto, Jesus Cristo, talvez por ser filho de quem é, pode dizer o que lhe apetece sem ser acusado de demagogia. Uma sorte que Jerónimo de Sousa não tem.
Na verdade, os analistas têm razão. A riqueza é um conceito vago. Tão vago que o homem mais rico de Portugal conseguiu dizer esta semana que não era rico. Ora, se o homem mais rico de Portugal não é rico, isso significa que em Portugal não há ricos, o que inviabiliza a criação de um imposto especial para eles. É impossível taxar quem não existe, como a direção-geral de impostos bem sabe - até porque já tentou.
Toda a gente conhece aquele poema do António Gedeão sobre Filipe II: o rei era riquíssimo (passe a imprecisão e o populismo) e tinha tudo. Ouro, prata, pedras preciosas. O que ele não tinha, diz o último verso, era um fecho éclair. Américo Amorim tem tudo, incluindo um fecho éclair. Talvez não tenha vergonha, mas também vem a calhar: nem criando um imposto sobre a vergonha o apanham.
Américo Amorim constitui, por isso, um mistério tanto para a fiscalidade como para a teologia. Sendo o homem mais rico de Portugal, talvez não entre no reino de Deus. No entanto, na qualidade de pobre de espírito, tem entrada garantida.
Fonte
Na verdade, os analistas têm razão. A riqueza é um conceito vago. Tão vago que o homem mais rico de Portugal conseguiu dizer esta semana que não era rico. Ora, se o homem mais rico de Portugal não é rico, isso significa que em Portugal não há ricos, o que inviabiliza a criação de um imposto especial para eles. É impossível taxar quem não existe, como a direção-geral de impostos bem sabe - até porque já tentou.
Toda a gente conhece aquele poema do António Gedeão sobre Filipe II: o rei era riquíssimo (passe a imprecisão e o populismo) e tinha tudo. Ouro, prata, pedras preciosas. O que ele não tinha, diz o último verso, era um fecho éclair. Américo Amorim tem tudo, incluindo um fecho éclair. Talvez não tenha vergonha, mas também vem a calhar: nem criando um imposto sobre a vergonha o apanham.
Américo Amorim constitui, por isso, um mistério tanto para a fiscalidade como para a teologia. Sendo o homem mais rico de Portugal, talvez não entre no reino de Deus. No entanto, na qualidade de pobre de espírito, tem entrada garantida.
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